segunda-feira, 27 de agosto de 2012

UMA CLÍNICA PARA QUEM NÃO FALA


Escutar aqueles que não falam e propor um modelo para esta clínica, aparentemente, para alguns, pode soar absurdo, uma vez que dentro dos paradigmas psicanalíticos supomos que é necessário um sujeito que fale e outro que escute sobre uma transferência. Os bebês e a maioria das crianças que sofrem das patologias precoces do contato com o outro não falam, mas sempre são acompanhados por aqueles que muito têm deles a falar.
Desta forma, o atendimento destas crianças ou bebês contempla pelo menos mais uma pessoa: aquela que se responsabiliza pelos seus cuidados e exerce a função materna. Neste modelo, acredita-se que a constituição do sujeito psíquico deva ser realizada com a presença daqueles que exercem esta função.
A principal particularidade do atendimento de criança é a maneira como este é demandado: sempre haverá, primeiro, um adulto falando por ela. Um adulto a quem o sintoma ou manifestação da criança fez sentido ou é reconhecido como fonte de sofrimento.
Portanto, o atendimento pode implicar em várias constelações, em geral, logo entra em cena a família. Na maioria das vezes, atender uma criança implica em escutar toda a família. Esta situação será mais gritante quanto menos a criança puder falar por si. Quanto menos fala o sujeito, mais falam por ele, demandam por ele. Será necessário, então, entender esta demanda e explicitá-la. O manejo destas outras falas em torno da criança estará diretamente ligado a uma concepção, ou melhor, ao diagnóstico que o clínico fará da situação.

domingo, 26 de agosto de 2012

A CRIANÇA, SUA MÃE, SUA CHUPETA E A LOJISTA.


Tirar a chupeta de nossos pequenos é sempre um tema de nosso interesse. Depois do primeiro ano de vida, nenhum dos pais acha legal seu uso, mas tem enorme dificuldade em tirá-la. A criança acaba então utilizando-a até depois dos dois anos.
Nesta ocasião, ela pode ser um fator que prejudique a aquisição da fala. E os pais começam a ir atrás das receitas e de uma almejada solução milagrosa. Todo mundo terá uma história para contar: algumas bem sucedidas, outras sofridas. Há crianças que reagem muito bem e colaboram, sentindo que estão crescendo, outras ficam enfurecidas investindo todo seu ódio contra os pais.
Recentemente passei por uma situação que me ensinou muito sobre o tema. Já vinha tentando tirar a chupeta da Filha de 2 anos, há alguns meses. Ela abusava de sua chupeta. Qualquer frustração a procurava, não queria tirá-la para brincar e, por fim, nem queria tirar para falar. Embora ela tenha uma boa aquisição da fala, esta estava visivelmente ficando comprometida.
O primeiro passo foi ensiná-la a não utilizar a chupeta durante o dia, mas apenas para dormir. Depois a investida foi que ela jogasse fora a chupeta. Mas, como? Jogar fora?
Entramos em uma loja e dissemos o seguinte: “Escolha o que você quiser que quando você parar de chupar chupeta vamos lhe dar”. A loja era maravilhosa e qualquer criança lá fica seduzida, não foi difícil escolher coisas muito interessantes para ganhar quando jogasse fora a chupeta. A lojista - esperta esta lojista, logo comentou: sabe, eu conheço uma fadinha que guarda as chupetas e te dá o presente que você quiser”. Não precisa nem dizer que os olhos dela brilharam. “Eu quero, eu quero dar minha chupeta para fadinha!”.
Pois é, e nós pais insensíveis queríamos jogar fora àquilo que é um objeto de amor da criança! Quantas vezes esta chupeta já não havia ido para o lixo sob o olhar angustiado da nossa filha, que minutos depois entrava em desespero para reavê-la. Nem conseguimos nos lembrar que introduzimos a chupeta provavelmente para, de alguma forma, nos substituir. Que insensibilidade...
Embarcando na deixa da lojista, contamos que a fada transformaria a chupeta dela em estrelinha e, nas noites bonitas ela, a Flávia, poderia vê-la. Às vezes são espertos os pais.
Uma semana depois, levamos suas chupetas para a fadinha. Missão executada, e naquela primeira tarde, na hora do soninho um pouco de choro, 15 minutos exatamente, e nada de dormir. Fomos à Festa Junina da escola e, no fim de tarde, após a festança uma estrela aparece no céu. O pai mais que de pressa mostrou: “Olhe sua chupeta que virou estrela!”
Ela olhou emocionada, suspirou. Antes de dormir, foi até a janela, deu mais algumas suspiradinhas saudosas, mas se deitou sem pedir pela chupeta.
Ela ainda tem um pouco de dificuldade de adormecer e, às vezes, fica a olhar as estrelas com saudosismo, mas está muito orgulhosa pela conquista. 
 Podemos tirar a seguinte lição: se quisermos tirar a chupeta da criança, devemos lhe conferir seu verdadeiro valor. Para ela não são objetos que ficaram obsoletos como para nós. São objetos amados e, às vezes, até considerados como parte do próprio corpo. Portanto devemos trata-los assim.

domingo, 19 de agosto de 2012

O DILEMA DOS PAIS DIANTE DO SONO DO FILHO



Minha filha, com quase dois anos e meio, costumava visitar a cama dos pais durante a noite. Numa dessas típicas conversas diurnas sobre o assunto, ela questionou: “Eu não quero dormir sozinha”. Expliquei que ela dormia junto com a sua irmã mais nova, no mesmo quarto.

“Não, mamãe, ela tem o berço dela. Eu não quero dormir sozinha!”, ela exclamou.

 “Bom, quando você crescer, vai ter um namorado, vai se casar e dormir com ele”, eu disse.

“E isso vai demorar muito?”, ela perguntou.

Minha filha de quatro anos é uma destas crianças que, junto conosco, desenvolveu rituais muito criativos para dormir. Tão criativos, que transformaram o ato de dormir em uma complicada tarefa de horas; e, claro, nossas vidas, em um inferno.

Como “santo de casa não faz milagre”, fui atrás dos inúmeros textos e materiais sobre como lidar com o adormecer do filho. E logo um dilema se impôs: se, por um lado, a escola cognitivista fornece uma série de receitas de como adaptar o filho a um comportamento esperado (tipo “nana nenê”); por outro lado, meus colegas psicanalistas costumam dizer que “por trás de todo distúrbio de sono, há um grande problema escondido no armário”.

Os esquemas comportamentais, às vezes, podem ser muito úteis, principalmente nas situações em que é necessário ensinar uma criança a dormir e tirar a chupeta. A ressalva está mais na forma como eles são adotados, do que em seu viés educativo. É certo que temos que ensinar nossos pequenos a dormirem sozinhos, mas é complicado deixá-los por muito tempo chorando, em desamparo, até cairem em exaustão.

Pois é certo que o sono das crianças, assim como o dos adultos, varia do estado mais profundo para o mais desperto. Nesse estado mais desperto, a criança checa se os rituais ou objetos necessários para seu adormecer estão presentes. Caso não estejam, ela chora, chama os pais etc. Portanto, os pais precisam ensinar a criança a prescindir dos “rituais amalucados” a que está acostumada para conciliar o sono, para, então, se conformar apenas com um travesseiro, bichinho ou, simplesmente, sua cama.

Bom, e aí? O que fazer? Se tento acabar com as pequenas “manias”, posso estar “abafando” um problema; se as mantenho, enlouqueço! A solução encontrada foi, sem dúvida, uma medida pedagógica, com prêmios, conquistas marcadas em calendário e pequenas metas a serem atingidas. Em um mês, minha filha conseguiu adormecer sozinha, e creio que foi muito bom para ela essa conquista de autonomia. Digo também que é extremamente útil, nessas situações, os pais se questionarem o porquê da criação de todos esses rituais, ou mesmo conferirem se há um problema, um “probleminha”, ou, ainda, um monstrão guardado no armário. E é justamente com esses questionamentos e práticas que esse possível “monstrão” pode aparecer e, assim, ser devidamente combatido.


POR QUE MEU FILHO AINDA NÃO FALA?



Ao colocar nossos filhos na escola, inevitavelmente, nós pais começamos a comparar os pequenos. É obvio que encontraremos inúmeras diferenças entre eles, tanto no seu desenvolvimento como nas aptidões de cada um. A fala, em geral, será o que nos gera mais ansiedade.
É sempre bom lembrar que cada criança tem um ritmo próprio de desenvolvimento e, surpreendentemente, algumas crianças estão cada vez mais precoces. Esta precocidade não invalida que as primeiras palavras com significado sejam esperadas até os dois anos. O fato de uma criança não iniciar cedo a fala também não significa que terá outras aquisições tardias. Mas a ansiedade dos pais em torno do problema pode, sim, deixar suas marcas.
Cabe aqui ressaltar que, nesta idade, o mais importante é que a criança esteja na linguagem, isto é, que determinados sons e sinais tenham o mesmo valor de comunicação.
Alguns comportamentos e fatos na história da criança podem ser norteadores para os pais saberem se devem ou não consultar um profissional especializado. Ao final do segundo ano de vida, espera-se que a criança faça uso da voz para se comunicar, goste de ouvir música e de brincadeiras rítmicas. Atenda pelo seu nome quando chamada e tenha interesse por crianças da mesma idade, não preferindo brincar isolada. Mas desde os primeiros meses seria esperado que a criança olhasse nos olhos da mãe ao ser amamentada, sorrisse (até 3m), balbuciasse (em torno de 4m) e se voltasse
para a pessoa que entra no ambiente onde está (até 4m), oferecesse partes do corpo para brincadeiras (até 8 meses), usasse sílabas repetitivas (em torno de 9m).
O principal fator de preocupação no atraso da fala seria uma perda auditiva que poderia estar vinculada a inúmeros fatores, entre eles: problemas congênitos, prematuridade, ter permanecido por longo período em incubadoras, uso de antibióticos ototóxicos nos primeiros dias de vida, rolha de cera no ouvido, quadros de otite média.
Em segundo lugar, pautaria-se os fatores emocionais e relacionais. Desde a concepção a criança é imaginada pelos pais. Antes mesmo de seu nascimento são feitos planos para o filho dando-lhe um lugar único e próprio no mundo. Desta forma, em torno do bebê irá circula uma série de dizeres. Quando nasce, os pais, a família, lhe falam, em geral, modulando a voz de um modo todo particular, despertando, no bebê, um interesse na comunicação. Nestas conversações com o bebê, já se supõe que ele seja um bom interlocutor e alguns de nós chegamos até a responder em nome do filho, abrindo-lhe este mundo de desejos e projetos. Problemas nesta comunicação podem ser geradores de atraso da fala.
Por fim, atitudes super protetoras com a criança, também podem gerar inibições na fala. Quando os pais se preocupam exageradamente em suprir todas as necessidades do filho não lhe dando nem a oportunidade de precisar comunicá-las.
No cotidiano, a melhor sugestão que podemos dar é: converse bastante com a criança, estimule-a a responder. Não corrija sua fala, apenas repita o que ela está tentando lhe dizer da forma correta, sem expressar reprovação. Faça brincadeiras musicais e rítmicas. Procure falar e brincar frente a frente com a criança. Não esqueça, o mais importante é que estes momentos sejam de muito prazer.

por Mira Wajntal, psicanalista e  Maricy T de Almeida Fenga, fonoaudióloga

CONSTRUIR TUDO QUE VEM À CABEÇA. UM DISPOSITIVO DE TRATAMENTO CLÍNICO

Diante da dificuldade clínica de se trabalhar com crianças e adolescentes que pouco têm o hábito de conversar com um adulto sobre suas vivências, desenvolver alguns artifícios que superassem esta dificuldade tornou-se um desafio.


Trabalhar  oferencendo uma diversidade de materiais plásticos, no consultório, mostrou-se uma excelente solução para o atendimento destas crianças. A ideia é poder fazer com que suas produções  e vivências pudessem, paulatinamente, encontrar um contexto, um sentido. Propomos  construções que contextualizassem sua expressão cotidiana, com a perspectiva de resgatar o contexto de sua história a que estas inscrições remetem.  Pois a experimentação concreta é o que possibilitava a estas crianças começarem um trabalho de encadeamento de suas vivências. O que observávamos é que a expressão comporta o registro do vivido, da fala e do desejo . 

“Construir tudo que vem à sua cabeça” passou a ser o mote destes atendimentos em atelier. Sentença que se mostrou extremamente atrativa para estes jovens, na faixa etária dos nove aos quatorze anos, momento em que associar livremente apenas com palavras parece estar inibido ou latente. Passei, então a adotar a construção com sucatas como instrumento de trabalho.



MIra Wajntal in: Bialer, M (Org.) -  O trabalho PSI na Saúde Pública. Editora novo conceito,Riberão Preto, 2011