segunda-feira, 10 de junho de 2013

UMA CLÍNICA PARA A CONSTRUÇÃO DO CORPO

Em muitas oportunidades recebi famílias que traziam crianças com patologias graves.
Em geral, estas crianças, muito precocemente, haviam apresentado atraso de uma ou mais funções do desenvolvimento afetivo, cognitivo, motor, da linguagem ou da socialização que, apesar da queixa da mãe, não foram reconhecidos como sintoma pelo pediatra.
Só vieram a receber um diagnóstico aproximadamente aos seis ou sete anos e, com muita sorte, conseguiram algum tipo de tratamento, após o diagnóstico.
Nesta ocasião, o olhar dos familiares, a esperança muda, desgastada, de quem já passou por muitas consultas e nem sabe bem formular o que está acontecendo. 
Nas primeira entrevistas, os familiares pronunciam poucas palavras, parecem enunciar que para compreender seu sofrimento basta apenas ver a criança da qual se queixam. Voltam-se para o analista com a expectativa de que ele saiba explicar o que está acontecendo. A queixa familiar parece ter silenciado e a manifestação comportamental destas crianças parece ser o único testemunho do sofrimento. 
Cultivar a fala, a reflexão e a biografia nestas famílias é quase um malabarismo. Exige do clínico transportar enigmas do indizível, pesares, angústias e, assim mesmo, encontrar caminhos criativos para que as mesmas venham ao mundo da associação de idéias, isto é, para que estas famílias tomem para si a tarefa de construírem os alicerces da narrativa de suas histórias.



In: Wajntal, M. – “Uma Clínica para a Construção do Corpo”, SP, Via Lettera, 2004.